quarta-feira, 11 de julho de 2012

No interior do Rio de Janeiro, cidade de 50 mil habitantes tem projeto cultural premiado

Equipe realizadora do MacacuCine Festival
Um dos objetivos do 1º Fórum Nacional da Produção Cultural em Pequenos e Médios Municípios é apresentar projetos culturais exitosos, direcionados à população dos pequenos e médios municípios e que representem inovação - tanto no formato quanto na gestão - contribuindo para que outras iniciativas aconteçam em um número cada vez maior dos municípios do interior do Brasil.

A pequena cidade de Cachoeiras de Macacu, localizada a 94 km da capital fluminense, tem cerca de 50 mil habitantes, nenhuma sala de cinema e um projeto que pode ser incluído na descrição acima. Lá a falta de equipamentos culturais não impediu o desenvolvimento da cultura. Pelo contrário: o maior obstáculo foi também a maior motivação.

O MacacuCine Festival foi criado em 2007 por alunos do curso de Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense (UFF) como um evento de extensão. Os objetivos do evento são resgatar a paixão pelo cinema na cidade, cujas salas de cinema foram fechadas gradativamente e formar público pensante que não só consuma como também produza cinema. Para isso, o festival foi pensado para atuar junto às escolas do município, oferecendo oficinas ao longo do ano.

Com sessões ao ar livre e em salas de aula, oficinas e debates, o festival conseguiu instigar nos alunos o desejo de criarem seus próprios filmes. Atualmente, integra a programação uma mostra competitiva de curtas feitos por estudantes de escolas públicas. Assim, unindo cultura e educação, o projeto viabilizado por apoios de instituições que compartilham da opinião de que a cultura é importante para uma sociedade melhor, o MacacuCine transforma.

Em 2010 o projeto recebeu o Prêmio Rio Sociocultural, iniciativa do Instituto Cultural Cidade Viva e, em 2011, foi agraciado com o Prêmio de Cultura do Estado do Rio de Janeiro na categoria Audiovisual.
Filipe Gonçalves, diretor geral do MacacuCine Festival, respondeu algumas perguntas sobre a arte de fazer cultura no interior.

Festival movimenta a cidade de Cachoeiras de Macacu
- Como surgiu a ideia de realizar um projeto que une cultura e educação, em um município com cerca de 50 mil habitantes, utilizando o audiovisual como ferramenta de ensino em uma cidade que não dispõe de salas de cinema?
A falta de uma sala de cinema em Cachoeiras de Macacu foi justamente o que motivou a criação do MacacuCine. A cidade estava há mais de duas décadas sem uma sala de cinema e acreditávamos que um festival seria a melhor maneira de resgatar novamente o interesse da população pela sétima arte. Para sustentar as sessões e debates propostos pelo MacacuCine não bastaria simplesmente erguer uma tela e exibir os filmes, precisaríamos cativar o público. Como as escolas geralmente utilizam pouco ou mal o audiovisual, levamos a proposta de potencializar o uso do audiovisual nas escolas e assim formar público para o cinema, porém um público crítico, consciente, que debatesse os temas dos filmes.

- Quais obstáculos surgiram e como vocês os enfrentaram/enfrentam?
O festival surgiu em 2007, quando toda a equipe ainda estava na universidade. Cursávamos produção cultural na Universidade Federal Fluminense e apesar de eu ser de Cachoeiras de Macacu, vivia em Niterói, a quase 100km de distância. No primeiro momento as dificuldades encontradas foram muitas. Havia a distância, já que a equipe de produção era toda de Niterói, o que dificultava e encarecia o contato, éramos relativamente inexperientes, ainda no quarto ou quinto período do curso, a cidade não dispunha de equipamento necessário para as projeções e o principal, não havia recurso financeiro. Conseguimos superar estas dificuldades acreditando no potencial do projeto e no impacto que causaria na sociedade. Era uma chance de fazer algo que contribuísse para o desenvolvimento cultural e educacional daquela cidade. Utilizamos nossos próprios recursos na produção e logística e agregamos parceiros que obtinham os equipamentos necessários para as sessões. Com o projeto bem escrito não foi difícil agregar estes parceiros que, em sua totalidade, não pertenciam a cidade.

- Neste sentido, qual foi a importância das instituições da cidade? Quais foram os apoios que tiveram?
Como a grande maioria das pequenas cidades, principalmente as do interior, Cachoeiras de Macacu não conta com uma secretaria específica para cultura. A pasta está sempre atrelada a educação, turismo, esporte, lazer etc. de forma que as políticas culturais ficam sempre em segundo plano. A economia do município gira em torno do funcionalismo público e de atividades rurais, contando com pouquíssimas indústrias e pequenos estabelecimentos comerciais. Tentamos conseguir alguma forma de apoio, mas logo tivemos que abandonar essa ação por vermos que não seria possível obter resultados. As únicas instituições em Cachoeiras de Macacu que definitivamente apoiaram o MacacuCine foram as escolas da rede estadual de ensino e o Jornal O Estado em Notícias.

- Qual é o modelo de produção desenvolvido pelo MacacuCine?
Diante das dificuldades apresentadas, o MacacuCine acabou por desenvolver um modelo próprio de produção. A equipe de produção se encontra em outra cidade e dialoga com uma equipe local, geralmente artistas e produtores de outros ramos artísticos como teatro, dança e música, além de diretores de escolas e professores. A equipe principal estrutura o festival e dialoga com os stakeholders enquanto a equipe local faz a conexão com diretores, professores e alunos.

- Encontraram dificuldades que acreditam ser específicas de cidades pequenas? Quais?
Como produtor cultural tive a oportunidade de acompanhar a produção cultural de diversas cidades do país e acredito que a maior dificuldade encontrada seja na falta de uma pasta específica para a cultura. A falta de secretaria de cultura e de profissionais qualificados a pensar e gerir cultura torna ainda mais difícil a tarefa do produtor cultural nas pequenas cidades. Outro grande problema é que as pequenas cidades não dão visibilidade aos grandes apoiadores do ponto de vista do marketing cultural. As atividades apoiadas podem até entrar no relatório social, mas como todos sabem, não é tão interessante para uma empresa, já que ínfimas pessoas leem estes relatórios, que são usados geralmente na obtenção de ISOs. O que as empresas realmente querem é patrocinar grandes eventos em grandes cidades, o que torna o eixo Rio - SP tão monopolizador, obrigando o MinC a pensar meios de descentralização de recursos. Esse desinteresse por parte das empresas em cidades pequenas torna a captação algo quase impossível.

- Como hoje, financeiramente, viabilizam o festival?
O MacacuCine conseguiu se tornar sustentável. Lida com apoiadores que investem no festival com seus recursos materiais destinando equipamentos e serviços. Temos como principais apoiadores o SESC Rio, a Universidade Federal Fluminense - UFF, o Centro Técnico Audiovisual - CTAv e o Grupo Pensar. Recursos financeiros representam 1/6 do projeto e são destinados à remuneração de equipe de produção. Editais específicos em audiovisual e prêmios são as principais fontes de recursos financeiros do MacacuCine atualmente.

- Em alguma edição, utilizaram a Lei Rouanet?
A cada ano temos o MacacuCine aprovado sem qualquer diligência na Lei Rouanet, porém ainda vigora a dificuldade de captar recursos para uma cidade do interior.

- Na sua opinião, qual é a importância do debate proposto pelo 1º Fórum Nacional da Produção Cultural em Pequenos e Médios Municípios?
É um fórum de suma importância para a produção cultural no Brasil. Sempre discutem a descentralização da produção e seus recursos, porém essas discussões ou são nos grandes centros ou são propostas por instituições provenientes de grandes centros. As pequenas e médias cidades pouco são ouvidas e sozinhas não têm como medir forças com a produção das grandes cidades. Não que medir forças seja necessário ou seja a intenção, já que existe espaço (até inexplorados) para todas, porém precisa-se de um entendimento por parte dos apoiadores e órgãos de cultura que medidas necessitam ser tomadas. Não é apenas em torno da memória e da preservação que gira a cultura em pequenas e médias cidades. Um fórum como o 1º Fórum Nacional da Produção Cultural em Pequenos e Médios Municípios chamará a atenção de gestores culturais e setoriais de cultura de todo o país e estimulará o debate acerca do assunto.

- Quais são os grandes desafios e obstáculos da gestão pública para o incentivo à cultura no interior do país?
Acredito que, por mais que pareça clichê, os principais obstáculos da gestão pública para o incentivo à cultura no interior do país é justamente a descentralização de recursos. É como o problema de má distribuição de renda do país, onde pouquíssimos têm muito e a grande maioria não tem quase nada. Temos no Brasil um cenário de cultura popular incrível, porém os investimentos milionários estão no Sudeste e Sul, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Sobram algumas ações para o Nordeste, em cidades chaves como Salvador, Recife e Fortaleza e é como se não houvesse cultura no Norte ou Centro-Oeste. Eu tive a oportunidade de conhecer quase todos os estados brasileiros e ver de perto como funciona a política cultural em diversos lugares e a situação é precária. Há de ser vencida a má distribuição dos recursos, capacitar profissionais para trabalhar com cultura, discutir cada vez mais a produção e distribuição cultural e criar mecanismos de apoio que possibilitem aos pequenos e médios municípios ao menos uma fatia do bolo.




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